domingo, 2 de novembro de 2008

Do lado de cá da linha do metrô



Subúrbio
Chico Buarque

Composição: Chico Buarque

Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis
Não tem frescura nem atrevimento
Lá não figura no mapa
No avesso da montanha, é labirinto
É contra-senha, é cara a tapa
Fala, Penha
Fala, Irajá
Fala, Olaria
Fala, Acari, Vigário Geral
Fala, Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade

Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção
Traz as cabrochas e a roda de samba
Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae
Teu hip-hop
Fala na língua do rap
Desbanca a outra
A tal que abusa
De ser tão maravilhosa

Lá não tem moças douradas
Expostas, andam nus
Pelas quebradas teus exus
Não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas
Fala, Maré
Fala, Madureira
Fala, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha a tua voz
Nos arredores
Carrega a tua cruz
E os teus tambores

...

Lá não tem claro-escuro
A luz é dura
A chapa é quente
Que futuro tem
Aquela gente toda
Perdido em ti
Eu ando em roda
É pau, é pedra
É fim de linha
É lenha, é fogo, é foda

Os comunistas que me perdoem, mas, pior do que um comunista, só um comunista velho. Um bom exemplo de comunista velho e boboca é Chico Buarque. Um cara que tem como fruto maior de seu exílio a paixão pela cidade de Paris (onde se exilou em detrimento da utópica “Cuba Libre”) na qual mantém até hoje um apartamento, para onde “foge” quando quer pensar e descansar.
Este senhor, que outrora fora um exímio compositor, por muitos chamado de poeta, gravou em seu último álbum intitulado “Carioca” (que é uma droga!) uma música extremamente infeliz, tanto na melodia quanto na letra, na qual tenta retratar o subúrbio Fluminense. Na letra da tal música, o poeta da Bossa Nova diz que a única maneira desses subúrbios desbancarem ou competirem com a tal “cidade maravilhosa” é através de suas expressões culturais, já que visualmente é impossível. E chega a dizer que até Cristo deu as costas pra essa gente (afirmação que só mesmo um comunista pode fazer). Acontece que tanto a Baixada Fluminense quanto a Zona Norte têm belezas muito pontuais, inclusive belezas naturais. Eu me arriscaria dizer que as colinas e os morros que não são povoados, que não foram favelizados, têm uma beleza tão particular que chega a sobressair em meio às casas mal-acabadas. As moças douras da música, as que ele acha que só existem na Zona Sul, são muitas vezes “importadas” dos subúrbios. Não sei quantas vezes o nosso veterano visitou os subúrbios, mas eu tenho sido fiel freqüentadora deles ultimamente. Hoje, por exemplo, fui visitar uma amiga que mora em Inhaúma. Desta vez fiz um caminho diferente, que me revelou um bairro diferente. O que vi foi um cenário bucólico, de casas de boneca e vilas de casinhas iguais por todos os lados. Gente nos bares, pessoas conversando nos portões, crianças andando de bicicleta, a praça como ponto de encontro daqueles que um dia foram jovens e que viram tudo mudar. Um lugar tão acolhedor, o único lugar em que vi o muro de uma igreja Batista (a Primeira Igreja Batista de Inhaúma) ser o mesmo muro de uma loja de artigos de candomblé!
O que vi foi um lugar bonito, dentro de sua realidade, com gente bonita e aparentemente feliz. Uma gente que não deve nada par a Zona Sul, a não ser no quesito praia. Ao que parece, Chico passou mais tempo andando de bicicleta às margens do rio Sena que nos subúrbios cariocas.

Um comentário:

*Mr. Tambourine* disse...

Isto vai dar o que falar.
Se fosse no meu blog, meus amigos do Chico Buarque Futebol Clube iriam me perseguir. Tenho a CONVICÇÃO de que o Chico nunca andou pelos subúrbios cariocas e nem vai andar.

Ah, adorei a frase: "Chico passou mais tempo andando de bicicleta às margens do rio Sena que nos subúrbios cariocas".
Muito engraçada. Muito perspicaz.

Beijos