quinta-feira, 31 de maio de 2007
O redentor dos brasileiros
" Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida."
"Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão."
" Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate."
"Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História."
Trechos da carta testamento de Getúlio Vargas. 23/08/1954
Nesta quarta-feira o meu professor de História do Brasil V me pediu para ler para a turma a carta testamento de Getúlio Vargas. Confesso que, desde sempre, tive uma grande simpatia por este gaúcho que até hoje habita o imaginário do senso comum como um dos melhores presidentes, se não o melhor, que o país já teve e um homem de bem. Eu compartilhava desta ilusão coletiva até ler a tal carta.
Me chamaram a atenção, para além do cuidado com o bom português, visível em cada linha do texto, os dois últimos parágrafos. Neles, Getúlio parece querer assumir - e de fato o faz - um caráter messiânico, apresentando-se como o redentor do povo brasileiro e a sua morte como holocausto para expiação dos pecados de todos os filhos da nação. A minha indignação aumentou quando, depois de ter me deparado com um plágio grosseiro dos quatro evangelhos compactados naqueles últimos parágrafos, tive de ver aquele herege dizer que nada temia ao se suicidar.
Ora, qualquer um sabe que o suicídio não merece perdão. Até o católico mais carola sabe que, ao se matar, nem a sua Maria poderá advogar em seu favor. Vai diretinho pro inferno (e desta vez, até o Papa concorda comigo!).
Aí percebi que é de gente assim que o povo gosta, porque o povo é carente de Deus. E tenta associar qualquer tipo de caridade a Ele. Foi assim que Antônio Conselheiro arrebatou milhares após si, foi assim que Padre Cícero - mesmo excomungado - talhou sua imagem de santo.
Basta uma voz clamando no deserto e logo se pode ver surgir uma multidão a segui-la.
Getúlio teve a sua memória imortalizada, e ainda com galardão de "presidente que mais fez pelo povo", não por ser muito inteligente. De fato o era. Mas onde abundou a inteligência e a perspicácia de Getúlio, superabundou a ignorância e a carência do povo brasileiro.
terça-feira, 29 de maio de 2007
Saudades de Alcobaça
Pier da Aldeia de Pescadores do Rio Itanhém -Alcobaça - BA - RJ
"ô Bahia, ai, ai
Bahia que não me sai do pensamento, ai, ai..."
"Agora é tarde. Inês é morta."
Há alguns minutos atrás me bateu uma saudade daquela cidadezinha da Costa das Baleias, no Sul da Bahia, onde passei o melhor final de ano da minha vida, chamada Alcobaça.
Cidade onde o novo e o antigo convivem sem conflitos, nem tão parada no tempo quanto Caravelas, nem tão evoluída quanto Prado. Dotada de uma belíssima extensão de praias, com suas águas mornas e de um azul meio cinza meio verde nunca por mim visto em qualquer outro litoral. Sinto saudades das ruas ora de chão de areia, ora de pedras; saudades da vila de pescadores que segue a extensão do Rio Itanhém conservando a beleza nostálgica e humilde dos tempos do descobrimento. Sinto saudades do indescritível pôr-do-sol visto do "Deck da Barra" de frente ao supra dito rio, da beleza do sol beijando aquelas águas e conferindo-lhes um brilho maravilhoso.
Sinto saudades de depois de um dia inteiro de passeios exploradores e sem rumo - sem precisar me preocupar com contas, dinheiro, problemas, futuro - voltar para casa e ter a farofa amarela da avó do Herold me esperando, quentinha em cima do fogão. Sinto é saudades daqueles vinte dias de total liberdade que tive lá, fui livre de mim mesma por vinte dias.
Acho que a saudade voltou quando, há duas semanas, comecei a ler a tragédia "Castro" na aula de Literatura Portuguesa I. A peça fala de um amor proibido vivido pelo Infante D. Pedro (que não é o Pedrinho do Brasil) e Inês de Castro. Depois de um triste desfecho, Inês foi assassinada pelo rei e seus conselheiros, contra a vontade de D. Pedro. Este, mandou fazer um mausoléu com dois túmulos, virados de frente um para o outro, onde seriam enterrados Inês e ele, para que ´no dia da ressurreição dos mortos eles fossem os primeiros que se vissem. O lugar escolhido para se depositar os restos mortais dos amantes foi Alcobaça, mas esta em Portugal.
Soubesse eu como era bom viver a humilde e irresponsável vida da Alcobaça baiana - da ocasião em que lá estava - não teria voltado. Mas como disse o coro (ou foi o secretário?) ao infante D. Pedro: "Agora é tarde. Inês é morta."
segunda-feira, 28 de maio de 2007
Venda de milagres
"Concorrência herege"
A indústria farmacêutica decidiu comprar briga com o Vaticano: quer autorização do governo laico para lançar o genérico da pílula do Frei Galvão.
retirado do site: http://nominimo.ig.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=11
Onde vamos parar?
Qualquer coisa
No início era o medo.
Em seguida, o encanto.
Desejo e incerteza se misturavam como sal e açúcar, de maneira a não se deixarem distinguir nem pelos próprios que os sentiam.
Por fim houve a entrega, o amor, o encanto que se renova e cresce a cada dia.
Se antes não sabiam nada, agora menos. O que era incerteza virou fato consumado.
sexta-feira, 25 de maio de 2007
Romaria - Parte Final
No domingo, depois do almoço, nos despedimos das simpáticas freirinhas, das flores e da comida ruim, e fomos para Guaratinguetá que seria a nossa última parada antes de voltar para os nossos lares.
Guaratinguetá é a cidade do mais novo "pop star brasileiro", Frei Galvão. Peço desculpa aos católicos pelo que acabei de escrever. Mas, voltando, chegamos à cidade - que é linda e muito bem organizada, além de muito limpa. Passamos por um bairro chic da cidade, com mansões maravilhosas, e em seguida chegamos a um tipo de periferia com conjuntos habitacionais feitos pela prefeitura. É nesta periferia que está situada a "Igreja do Frei Galvão" - antiga Comunidade de São José, que passou a ser ator coadjuvante na tal comunidade depois da canonização do frei, a ponto de perder a sua própria Igreja. Eu sempre achei que não davam a devida importância a S. José, mas isto foi o cúmulo da falta de consideração com o marido de Maria. Poxa! O cara passou por corno quando Maria deu a Luz a um filho do Espírito Santo e, na cabeça dos católicos, a mulher do cara teria continuado sempre virgem e imaculada pro resto da vida! Isso era motivo suficiente pra ele ter o lugar de maior destaque no panteão de santos de Roma! - que é uma igrejinha simples, cuidada por pessoas igualmente simples, incultas, mas que tem uma fé imensa e uma dedicação ao frei assustadora.
Ao chegarmos tivemos que ouvir uma "palestra" de uma menino chamado André que, apesar de não saber concordar os verbos e usar o plural, tinha um sotaque bem carregado e sabia muito sobre o frei.
Assistir a tal palestra era pré-requisito pra conseguir as tão desejadas,e tidas como milagrosas, pílulas de Frei Galvão. Só era permitido dois saquinhos, cada um com três pílulas, por pessoa, que me deixou muito insatisfeita, acabou com o meu negócio. Eu tinha planos de contrabandear as pílulas...
Mas, voltando...
Peguei as pílulas, pro Zé e pra Pris, e saí de lá. Ao sair ouvi o palestrante dizendo: " Irmãos, existem pessoas que andam vendendo as pílulas do Frei Galvão. Se você souber de alguém que está fazendo estas coisas, por favor, denuncie. Isto é crime, isto é crime"
Aí a minha prima carola logo me repreendeu dizendo que era Deus falando comigo, e que Frei Galvão viria puxar o meu pé se eu vendesse as pílulas. hahaha
Mas o que me chama a atenção no fenômeno do Frei Galvão - já pode-se chamar de fenômeno se levarmos em conta a quantidade de ônibus que chegam à igreja em busca das pílulas - é o potencial que a cidade e a igreja têm de muito em breve se tornar um ponto de peregrinação tão importante, ou até mais, que Aparecida. Primeiro porque Guaratinguetá está para Aparecida como São Gonçalo está para Niterói. A posição geográfica dela já lhe é favorável. Todos os milhões de romeiros que passam por Aparecida todos os anos vão passar a fazer uma parada obrigatória na cidade do santo brasileiro, o que vai fazer com que em breve a igrejinha vire uma basílica, a pequena cantina que só vende coxinhas gordurosas e cachorro quente de forno dê lugar a uma enorme praça de alimentação com McDonald's e tudo mais, os simplórios homens de fé que dão as palestras e cuidam das pílulas e da igreja darão lugar a importantes homens da Igreja, e a pequena lojinha de artigos religiosos manufaturados vai dar lugar a uma enorme feira permanente - um tipo de Saara católico - como é em Aparecida. Mas acho que o potencial de Guaratinguetá muito maior que o de Aparecida, porque na cidade de Frei de Galvão o milagre é "garantido" através das pílulas, o que não se pode achar em Aparecida de maneira tão palpável.
Em pouco tempo haverá lá um grande templo religioso, mais um hotel santo, pessoas devidamente preparadas para atender a esse público, e um enorme comércio da fé.
terça-feira, 22 de maio de 2007
Romaria -Parte II
Acordei e vi da minha janela uma movimentação enorme, era gente que não parava de chegar. Pelo que percebi, o domingo era o dia de maior visitação, chegavam ônibus e mais ônibus. Acordei com o som do coral das freiras que cantava durante a missa matinal. Desci para o café e vi a fila quilométrica, que saía dos limites do convento hotel, para entrar na lojinha de artigos religiosos. Percebi então que toda aquela infra-estrutura, todo aquele aparato era proposital e previamente pensado e desenvolvido para dar conta dos romeiros que faziam esta “rota (passando por Guaratinguetá, Aparecida, Atibaia e que ia até Cachoeira Paulista) da fé”. Assim como há um “comércio santo” há uma “rede hoteleira santa” que atende as demandas desses fiéis com todo o conforto de um excelente hotel – exceto a comida que era horrível, acho que freiras não casam por que não sabem cozinhar. Mas péra aí, eu também não sei cozinhar! Será que não vou casar? Ou será que vou virar freira? Acho que não vou casar... - e por um preço razoável.
E aquela frase ainda ressoava na minha mente: “o comércio é o que sustenta a fé”
(continua)
segunda-feira, 21 de maio de 2007
Romaria -Parte I
Dia desses, minha tia perguntou se eu tinha vontade de voltar à Atibaia. Tinha ido com ela há alguns anos nesta linda cidade, num festival de flores e morangos, que tinha me agradado muito. Atibaia me deixara um gostinho de “quero mais”. Por isso, de pronto respondi que queria, mas não sabia eu que a excursão era na verdade uma romaria. Como eu já tinha dito que iria com ela, não voltei atrás, encarei com coragem e curiosidade a romaria que me levaria à Aparecida - onde visitaríamos a Basílica, Atibaia – onde ficaríamos hospedadas num convento, e, finalmente, passaríamos por Guaratinguetá – a cidade de Frei Galvão.
Era um ônibus lotado de senhoras entre 50 e 80 anos, algumas poucas com sues respectivos maridos, exceto minha prima (trinta e poucos anos) e eu (vinte anos). Tudo ali me parecia documento. Era como se estivesse num trabalho de campo, como se fosse um trabalho antropológico. Na ida, muita fartura, entre a reza do terço e outra oração comíamos muito. As senhoras, todas muito prendadas, tinham levado os mais diversos bolos, salgados, biscoitos, sucos, etc.
Ao avistarmos a cidade de Aparecida, as senhoras começaram a cantar o hino da padroeira e a aplaudir uma imagem da santa que se localiza no alto de um morro. Comportavam-se como se a imagem de fato tivesse vida. Entraram na basílica cantando e aplaudindo, pedindo à santa por várias vezes que rogasse por elas. Ali comecei a entender o que vai no coração de um romeiro. Lembrei-me dos judeus que precisavam sair de suas casas e cidades para irem adorar e sacrificar em Jerusalém num determinado período do ano (Macarrão, me corrija se estiver errada), e foi esta impressão que tive quando entramos em Aparecida, me parecia que elas tinham chegado à cidade santa. A basílica é monstruosamente bela, além de grande, e muito diferente da que vi quando fiz a ultima visita ainda criança. Há lá diversão para todos os gostos: um enorme aquário que tem até tubarão; parque de diversão; uma enorme feira permanente de artigos religiosos; no alto de um morro foi feita a reconstrução da vida de Cristo desde o nascimento até a sua morte, em tamanho um pouco maior que o natural; uma praça de alimentação enorme, com comida de quase todos os tipos, onde pode encontrar gente de todo o país. A quantidade de ônibus trazendo romeiros é assustadora. Outro aspecto que me chamou muito a atenção agora, e do qual não tinha me dado conta quando criança foi o formato da nave central da basílica. Ela foi construída em forma de cruz – embora não pareça se olhada de fora, e tem um altar redondo em mármore onde o padre é obrigado a fazer a homilia andando em círculos e tendo sempre que dar as costas para alguém. Por causa disto, talvez, encontra-se em toda a extensão da basílica televisões de plasma de altíssima resolução (não vou dizer que são da LG pra não fazer jabá de graça no meu blog) que mostram o padre no altar. Em cada extremidade da “cruz” da basílica tem uma capela, e também nelas se encontra as tais tvs de plasma.
Ao observar o espantoso crescimento da basílica e do “mercado de artigos religiosos” que se encontra lá, ouvi de uma romeira:
“É... infelizmente o comércio é o que sustenta a fé.”
(continua)
quarta-feira, 16 de maio de 2007
As grades da educação
Ana Luiza: _ Pai, passei no vestibular. Passei pra história.
Pai (sem tirar os olhos dos papéis nos quais estava mexendo, e sem exprimir qualquer sentimento): _ Agora estuda.
Meu pai sempre esperou que eu fosse advogada, juíza, ou qualquer outra coisa que fizesse de mim doutora. Na ocasião do vestibular não entendi o desgosto dele ao ouvir aquela tão afortunada notícia, mas hoje, do alto do sétimo período e prestes a me formar, vejo o que me espera e entendo a falta de entusiasmo do pai.
Na sexta-feira passada fui pela primeira vez a um colégio público, nunca havia entrado de verdade em um. Era o colégio no qual eu farei estágio supervisionado. O meu espanto começou ao entrar, quando olhei para cima e vi as janelas, percebi que em todas as janelas havia grades como se jaulas fossem e que a elas as crianças ficavam agarradas e gritavam como animais.Ao entrar, vi que no saguão do colégio, atrás de um busto de Castelo Branco, estava a escada que levava aos dois outros andares. Esta escada tinha uma grade pantográfica que nunca ficava aberta sem um inspetor, como em todo o resto na escola. Refeitório, quadra, pátio, escada, até na sala dos professores, todos os lugares da escola têm grades, pelo menos duas, uma grade como as das prisões e outra por cima em estilo de tela. As grades são abertas para entrada de uma ou mais crianças e imediatamente são fechadas, os inspetores mais parecem carcereiros de um reformatório para menores infratores. A frase que ouvi em mais alto som, a respeito das crianças foi: "E eles obedecem?"
Ao sair de lá entendi o motivo das grades. Só com muitas grades se pode obrigar crianças a ficarem num lugar com tão poucos atrativos como aqueles.
Nunca sonhei em lecionar, nunca me achei "a professorinha". Mas naquele dia percebi que ser professor neste país é mais complicado que fazer direito e ver a justiça ser feita.
Eu sempre dizia aos meus familiares, todos do meio da justiça, que não seria advogada ou juíza num país onde a justiça não pode ser feita e onde as leis não são respeitadas. Fui fazer história para o desgosto de todos. Mas agora vejo que vivo num país onde os educadores não sabem o que é educação e onde os educandários são prisões, cárceres sem nenhum atrativo.
Aí me fica a pergunta: " é mais válido e proveitoso ser educador sem poder educar por falta de infra-estrutura e ganhando o suficiente para não morrer de fome, ou ser advogado ou juiz num país onde não se faz justiça mas mesmo assim ganha-se muito bem para tal?
Estou me formando, tenho 20 anos, e começo a pensar seriamente em dar alguma alegria ao debilitado coração do meu velho pai.
terça-feira, 15 de maio de 2007
o amor
hauahuahuaha
vc sabe que eu não vivo mais sem a sua companhia, alias, isso me
lembrou uma cantiga de roda vê se vc lembra:
Como pode um peixe vivo
viver fora da água fria?
Como pode um peixe vivo viver fora da água fria?
como poderei viver? como poderei viver?
sem a sua, sem a sua sem a sua companhia???
huahauhauha
é muito bonitinha essa musiquinha!!!
beijos
quarta-feira, 9 de maio de 2007
Acho que estou crescendo
Hoje me programei pra fazer uma coisa que eu queria muito. Mas não saiu como eu tinha imaginado.
Na hora eu quis morrer, fiquei arrasada, achei que eu era a única sempre que fazia as vontades dos amigos, dos parentes, de todo mundo, mas as minhas vontades ninguém fazia nunca. Fui pra casa chorando...
Mas o impressionante foi que no caminho do ponto de ônibus até a minha casa - que é um caminho bem curto - enquanto eu dizia pra Deus que não queria me sentir daquele jeito, que não queria que fosse sempre assim, tudo acabou. Tudo passou como as nuvens que se dissipam depois da tempestade de verão. Parece que o tempo que eu demorei em frente ao portão procurando a chave foi suficiente pra curar a minha retardada crise de adolescente rebelde.
E agora estou aqui, escrevendo, aliviada. Como se um peso enorme tivesse sido tirado das minhas costas.
Deus tem sempre um propósito em tudo que permite que aconteça na vida dos filhos dEle. Acho que Ele está usando situações adversas, como a de hoje, pra me fazer crescer, pra me mostrar que as coisas não têm e não podem ser sempre como eu quero, mas como Ele permite.
terça-feira, 8 de maio de 2007
Nada a dizer
domingo, 6 de maio de 2007
O Pecado da Cor
sexta-feira, 4 de maio de 2007
Mulher não tem caráter
- Alô, Eudóxia. Espera aí. Eu disse "espera aí". D. Noêmia, quer sair um instantinho?
ela sai. Sabino fala:
- Eudóxia, passei duas horas ligando pra aí. Ocupado, ocupado, que diabo!
- O telefone que não pára. Não parou o dia todo. Mas conta, conta. O que é que o Dr. Camarinha foi dizer? O que é que ele queria?
Ela baixa a voz:
É gravidez? Responde. É?
Era demais:
- Eudóxia, toma juízo! Que é que você tem na cabeça? Você sabe o que eu acho, sinceramente, palavra de honra, que a mulher é mais pornográfica que o homem?
Insistia:
- Quer dizer que não é? Era isso que eu queria saber.
O outro limpa o pigarro:
-Olha, eu vou dar uma passadinha no Monsenhor Bernardo.
Não diria à mulher nenhuma palavra do que ouvira do Dr. Camarinha. Se ela sabe, põe a boca no mundo na mesma hora. Mulher nenhuma guarda segredo. Conta às amigas, às vizinhas, às criadas. Mulher não tem caráter.
O Casamento
Nelson Rodrigues
Mulher não tem caráter. Poderia esta ser uma verdade absoluta. Pois mulheres quando não estão mentindo, estão inventando ou repassando a invenção de outras.
Todo canalha é magro e nenhuma mulher tem caráter.
Nelson Rodrigues era mesmo um gênio.