quarta-feira, 16 de maio de 2007

As grades da educação






Ana Luiza: _ Pai, passei no vestibular. Passei pra história.
Pai (sem tirar os olhos dos papéis nos quais estava mexendo, e sem exprimir qualquer sentimento): _ Agora estuda.


Meu pai sempre esperou que eu fosse advogada, juíza, ou qualquer outra coisa que fizesse de mim doutora. Na ocasião do vestibular não entendi o desgosto dele ao ouvir aquela tão afortunada notícia, mas hoje, do alto do sétimo período e prestes a me formar, vejo o que me espera e entendo a falta de entusiasmo do pai.
Na sexta-feira passada fui pela primeira vez a um colégio público, nunca havia entrado de verdade em um. Era o colégio no qual eu farei estágio supervisionado. O meu espanto começou ao entrar, quando olhei para cima e vi as janelas, percebi que em todas as janelas havia grades como se jaulas fossem e que a elas as crianças ficavam agarradas e gritavam como animais.Ao entrar, vi que no saguão do colégio, atrás de um busto de Castelo Branco, estava a escada que levava aos dois outros andares. Esta escada tinha uma grade pantográfica que nunca ficava aberta sem um inspetor, como em todo o resto na escola. Refeitório, quadra, pátio, escada, até na sala dos professores, todos os lugares da escola têm grades, pelo menos duas, uma grade como as das prisões e outra por cima em estilo de tela. As grades são abertas para entrada de uma ou mais crianças e imediatamente são fechadas, os inspetores mais parecem carcereiros de um reformatório para menores infratores. A frase que ouvi em mais alto som, a respeito das crianças foi: "E eles obedecem?"
Ao sair de lá entendi o motivo das grades. Só com muitas grades se pode obrigar crianças a ficarem num lugar com tão poucos atrativos como aqueles.
Nunca sonhei em lecionar, nunca me achei "a professorinha". Mas naquele dia percebi que ser professor neste país é mais complicado que fazer direito e ver a justiça ser feita.
Eu sempre dizia aos meus familiares, todos do meio da justiça, que não seria advogada ou juíza num país onde a justiça não pode ser feita e onde as leis não são respeitadas. Fui fazer história para o desgosto de todos. Mas agora vejo que vivo num país onde os educadores não sabem o que é educação e onde os educandários são prisões, cárceres sem nenhum atrativo.
Aí me fica a pergunta: " é mais válido e proveitoso ser educador sem poder educar por falta de infra-estrutura e ganhando o suficiente para não morrer de fome, ou ser advogado ou juiz num país onde não se faz justiça mas mesmo assim ganha-se muito bem para tal?
Estou me formando, tenho 20 anos, e começo a pensar seriamente em dar alguma alegria ao debilitado coração do meu velho pai.

4 comentários:

Cal disse...

Antes tarde do que nunca. Mas enfiando novamente a minha colher torta na massa perfumada do seu bolo, na Justiça ou em qualquer outra área de atuação que você escolha, em que haja ingerência governamental, os problemas serão mais ou menos os mesmos.
Tirando o salário (e a possibilidade de trabalhar só oito ou nove meses por ano) os problemas que se colocam na Justiça são quase sempre os mesmos da área de Educação. Do mesmo jeito que não interessa fazer justiça, cobrando das empresas e dos poderosos os seus erros e mal-feitos, não interessa a ninguém oferecer educação de qualidade às classes menos favorecidas. Oferecem-se medidas inócuas tipo baixar a maioridade penal ou um programa de cotas nas faculdades, em vez de se atacar as causas da criminalidade (a negação da cidadania a vastos segmentos da população, aos quais são sonegados o saneamento básico, programas de saúde com qualidade, acesso a educação, encaminhamento profissional, opções de lazer e culturais, falta de juízes e aprimoramento da máquina do Judiciário [constroem-se grande edifícios, mas os computadores são velhos, os sistemas não são integrados, as diversas polícias ganham mal, não trabalham juntas e não sabem formular inquéritos que permitam a formação de processos juridicamente bem fundamentados, os presídios não recuperam ninguém, a corrupção é endêmica e não é reprimida de modo eficiente; etc.) ou da evasão escolar (a falta de escolas de qualidade, a necessidade de um programa educacional que leve em conta os diversos segmentos sociais e culturais da nossa sociedade, o acesso a um sistema de ensino que realmente eduque o cidadão e que lhe permita disputar a entrada no ensino superior em condições iguais [ou pelo menos quase iguais] para todos os segmentos econômicos da nossa sociedade, etc.). Se o seu problema é só o dinheiro, realmente está na hora de mudar e procurar urgente uma faculdade de direito (ou um marido rico). Agora, se você sofre do mal de quase todo jovem do nosso rico e mal dirigido país, a indignação, faça suas as palavras daquela antiga canção: "quem sabe faz a hora, não espera acontecer". Ou seja: essa droga só muda quando quisermos e se quisermos. E para isso é necessário lutar, se indignar, ganhar mal e mesmo assim, continuar. Milhares de inúteis não fazem a mínima diferença para ninguém, mas um só indignado pode fazer muita diferença.
E, para terminar com um pouco de humor e mais um trocadilho cretino: caso você realmente resolva fazer direito, meus parabéns! Afinal, já era mais do que hora de você aprender a fazer alguma coisa direito (brincadeira, você sabe).
Um grande beijo!
Seu tio Mac

Ana Luiza Paes Araújo disse...

Nossa! Adorei o seu comentário Macarrão. Na verdade, eu gosto de todos - inclusive aqueles nos quais você me sacaneia.
Pra um judeu você é um cara muito inteligente...
Brincadeirinha, você sabe!
Mas, falando sério, você deveria ter um blog também. Quando li o seu comentário tive vontade fazer um blog só pra publicar os seus comentários como se fossem posts temáticos.
Vou pedir pra Raquel te convencer.
Valeu.

Cal disse...

Obrigado. Mas eu me sinto mais confortável visitando os blogs amigos do que administrando um deles. Afinal, se eu posso ser pedra, por que vou ser vidraça?
De qualquer forma, os meus comentários se tornam legais porque os posts são interessantes; então parabéns para você.
E um grande final de semana, pequena herege. Felicidades e muita sorte (porque sem sorte, segundo o Nélson Rodrigues, não se consegue nem tomar picolé. A gente se engasga e acaba sufocado pela haste). Shabat shalom!

Ana Luiza Paes Araújo disse...

Shalom pra você também!!!
huahuahuah
adorei a frase. Acho que nasci pra ser vidraça...
O Nelson sabia de tudo, ele era o Cara, e foi um homem de pouca sorte. Nelson Rodrigues sofreu muito, tadinho.
Um excelente final de semana pra vc e pra Raquel também.
E seja sempre bem-vindo, fique a vontade para tacar pedras sempre que quiser!!
huhahuahauhau